"[...] expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade que chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, [...]" (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, 2010)

domingo, 18 de abril de 2010

Ela não vem

Dias sem fim sempre são mais quentes ou mais frios.
Nunca alegres, amenos, suaves.
Inconsolável ronda as janelas espreitando.
Espera e esconde-se do jamais. Não adianta.
Assim vulto, vento que balança sem fúria metros de panos na vertical,
contorce-se de ânsia e dúvida.
Não há mais espaço desconhecido, sala sem apresentação,
brisa nova trazendo visita à sem-graça vida.
A impaciência obriga, carrega e joga sobre o sofá o pálido corpo,
que se estende por meio minuto e põe-se de pé novamente.
Eriçado volta à maratona de curvas e obstáculos instintivamente contornados.
Nada vê.
As horas não passam.
Os ponteiros estão amarrados.
Os vícios pungem...
Luta interna é guerra perdida.
Você perdeu. Ela não vem. Você não aceita. Ela nem sabe.


(Abraão Alves)

sábado, 17 de abril de 2010

Amar


Que pode uma criatura senão,
senão entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesmo de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito,e a sede infinita.


(Carlos Drummond de Andrade)

domingo, 11 de abril de 2010

Escola da Vida


Aprendemos formalmente em escolas, institutos e universidades. Mas, aprendemos mesmo é na sala de aula chamada vida. Seu melhor amigo é um ótimo professor. Sua vizinha, também. Seus pais, seu irmão são também ótimos professores. São eles que melhor nos ensinam as disciplinas amor, amizade, companheirismo, respeito, carinho. Entre tantas outras de mesmo fim, mas de meios diferentes.

Nossos amigos são especiais porque ensinam pegando-nos pela mão, abraçando e confortando-nos com sábias palavras (ou indiscutíveis períodos de silêncio). Tem também aqules que na ausência das mãos e boca menor apenas nos lambem - é meio nojento, mas às vezes serve. Os melhores métodos educacionais, as melhores estratégias de gestão e as mais eficientes práticas laborativas nasceram, muitas vezes até inconscientemente, dessas disciplinas. Isso ocorre porque a metodologia é multidisciplinar e essencialmente prática. Basta ver que aprendemos com mais de um amigo, com mais de um irmão (não precisa ser de sangue).

Veja você mesmo ao ir à praça, ao bar, em seu trabalho, em sua casa. Amigos sentam-se próximos uns dos outros depois do expediente, antes de pedirem a pizza, no momento de brindarem a presença de cada um deles na velha choperia da época da faculdade. Se a ocasião não exigir o ombro para dividirem a dor, darão lindas e espaçosas risadas lembrando os velhos tempos, dos amores efêmeros ou dos filhos que deram, inseguros, os primeiros passos.

Esse professores pertencem a uma rede de relacionamentos que garante infinita fonte de pesquisa. É a maior biblioteca do universo. Amigos de amigos de nossos amigos compõem essa rede. Devemos aproveitar sempre. Então, vamos à aula.